
Fiandeiras
De dia, ela fia, tece, trama. Desfia, des-tece, des-trama, de noite. Dure dias, meses, eras, o tempo. Se de Ulisses só tem a ausência, ali permanecerá, fiel, a que fia, Penélope, urdindo o próprio devir, num eterno recomeçar, refazer-se; do dia que se faz noite que se faz dia que se faz... Quase moira de si mesma, não estivessem Cloto, Láquesis e Átropo pairando para além do monte dos deuses. A três Moiras, filhas de Nyx, noite profunda, têm e sustêm o destino (no grego, moira = destino), que não passa de um fio que a Fiandeira fia, a Distribuidora mede e a Inflexível, corta. Morte e vida; passado, presente e futuro; princípio e fim; cópula, nascimento; todos os ciclos da vida dependem da vontade e do trabalho habilidoso das mãos de fiandeiras. Habilidade algoz de Aracne, a tecelã lídia.
Mesmo em fúria, a protetora das artes sabia-se vencida, não podia deixar que a arte da moça se perdesse. Compadecida, não deixaria que o suicídio se consumasse. Aracne, não morreria, mas seria a aranha que é hoje; ad infinitum, presa à própria teia. Do ventre, o fio de sua existência.
A aranha/mãe de Louise Bourgeois. Vênus. Grande Mãe. Pernas-grades, ameaçadoras e acolhedoras. Vulva dentada. Um abismo. O materno e o feminino expandidos ao limite. O gênero transcendido. Porque se trata da possibilidade de renovação e manutenção da vida, da existência, num sentido mais ontológico. Terrível, mas quem pode resistir ou prescindir? Se o grão de trigo não morre, fica só, não renasce. Sublime: morte e vida em jogo simultaneamente.
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